É possível um debate inteligente sobre Darwinismo e Design Inteligente no Brasil?
A julgar pelo clima belicoso cultivado cuidadosamente na grande mídia e na blogosfera muita gente já respondeu "não", e eu me contava entre os pessimistas até participar do II Simpósio Internacional da Mackenzie, "Darwinismo Hoje".
O simpósio incluiu vários nomes importantes: John Lennox, professor de matemática e de filosofia da ciência na universidade de Oxford, Paul Nelson, pesquisador do Discovery Institute e professor da Universidade Biola, e o Dr. Marcos Eberlin, professor da Unicamp, defenderam a posição do Design Inteligente. Adauto Lourenço foi também convidado a apresentar um mini-curso sobre o Criacionismo. Do lado evolucionista estavam o Dr. Aldo Mellender de Araújo, professor da UFRS e o Dr. Gustavo Caponi, da UFSC. Comentando o comportamento da grande mídia no trato da questão estava o jornalista Maurício Tuffani (para mais detalhes sobre a titulação e atividade de cada um, clique aqui). Mas falemos um pouquinho sobre as palestras e as idéias de cada um.
As Palestras e as Idéias
Os defensores do Design Inteligente (ou "DI") trataram de temas bastante diferentes, embora claramente interligados. O Dr. Lennox, que abriu o Simpósio na segunda à noite falando sobre "A Origem da Vida e os Novos Ateus", e tratou no terceiro dia dos "Fundamentos da Moralidade", soube explorar algumas das principais fraquezas da dobradinha evolucionismo/ateísmo: a incapacidade do materialismo em sustentar qualquer fundamento claro para a inteligibilidade do universo (citando explicitamente o Dr. John Polkinghorne), as evidências de "sintonia fina" (fine-tunning) no universo, que constituem um argumento teísta completamente independente da biologia evolucionária (o chamado "macro-design"), e as dificuldades imensas de fundamentar uma ética plenamente humana no darwinismo.
O Dr. Paul Nelson destacou a evidência científica contrária à macro-evolução levantada recentemente a partir de estudos genéticos, citando o ataque à "Árvore da Vida" de Darwin (o seu modelo de "especiação" ou multiplicação de espécies de seres vivos a partir de um ancestral comum) publicado pela revista New Scientist e demonstrou a origem surpreendentemente teológica dos argumentos Darwinistas contra o DI que se apóiam nas alegadas "imperfeições" como evidências de seleção natural não-inteligente. Na segunda palestra, destacou a dificuldade do Darwinismo de lidar com o fenômeno da consciência, com a realidade do mal, e com a exigência de uma ética genuína.
Já o Dr. Marcos Eberlin seguiu uma abordagem mais didática, apresentando as idéias básicas do DI, primeiro em uma oficina no terceiro dia do simpósio, e depois em sua própria plenária: "Fomos Planejados - A maior descoberta de todos os tempos." Que por sinal foi extremamente instrutiva. O Dr. Eberlin foi pródigo em apresentar massas de evidência bioquímica e genética de altos níveis de "complexidade irredutível", corroborando a abordagem lançada por Michael Behe em "Darwin's Black Box" ("A Caixa Preta de Darwin", publicado no Brasil pela Jorge Zahar Editor). O pesquisador Adauto Lourenço apresentou um mini-curso sobre Criacionismo para clarear as idéias dos curiosos sobre o assunto e prepará-los melhor para a discussão.
Os evolucionistas ateístas presentes limitaram-se a um tratamento também didático da questão, procurando esclarecer com precisão os fundamentos do Darwinismo contemporâneo. O Dr. Aldo Mellender falou sobre "Darwin ontem e Hoje: 150 anos de 'A Origem das Espécies'", oferecendo um esclarecedor histórico do desenvolvimento da teoria, desde seus antecessores até desdobramentos recentes como a sociobiologia e a explicação evolucionária do comportamento altruísta, e a contemporânea biologia evolutiva do desenvolvimento (a famosa Evo-Devo). Em sua oficina o Dr. Mellender introduziu os ouvintes ao complexo problema das correntes no Darwinismo contemporâneo - onde a situação é talvez um pouco mais confusa do que se imagina. O Dr. Gustavo Caponi apresentou um mini-curso sobre "Evolucionismo", explanando detalhadamente o conceito de "seleção natural", e fez uma exposição informativa sobre a principal obra de Darwin - "A Origem das Espécies". Ambos expressaram a visão quase consensual entre darwinistas ateístas de que pode-se falar no máximo em uma "teleologia naturalizada", na forma de um determinismo mecânico, mas não de teleologia genuína.
O Debate
E na última sessão deu-se o esperado "pinga-fogo" - a mesa redonda com todos os participantes (exceto o Prof. Adauto Lourenço), que responderam a questões formuladas a partir das perguntas feitas ao longo de todo o Simpósio. Em termos de lucidez e de gentileza é preciso dizer que ambos os "lados" empataram - ou que ambos igualmente venceram. Em especial precisamos destacar a atitude respeitosa e dialógica dos professores, Paul Nelson (DI) e Aldo Mellender (Evolucionista). Quisera Deus que muitos cristãos tivessem o espírito daquele filósofo ateu - e que muitos ateístas tivessem a oportunidade de conversar com um teísta como Paul Nelson.
Quanto aos argumentos, é difícil não concluir que os defensores do DI se saíram melhor. Talvez por uma razão mais ou menos óbvia: os DI's vem sofrendo ataques e articulando defesas contra os ateístas militantes há muitos anos, e desenvolveram uma competência elevada na apresentação de seus argumentos. Já os evolucionistas convidados se apresentaram de uma forma quase não-apologética, defendendo-se eventualmente de forma "ad hoc" e levantando críticas definidas mas evidentemente não muito desenvolvidas. Ninguém deve concluir, no entanto, que os argumentos dos darwinistas ateus acabam por aí: o resultado reflete apenas a realidade brasileira versus a realidade americana.
A despeito dessa concessão, o debate realmente mostrou uma realidade que vem se desenhando internacionalmente: o darwinismo ateu "militante" de fato não tem recursos suficientes para lidar com o problema do "sentido", da "racionalidade", do "valor" - enfim, com a experiência humana de que o círculo da realidade é maior do que o círculo da matéria pura. Há sentido e propósito no mundo, e não é possível esgotar o significado da vida humana a partir da seleção natural. Na verdade, de um modo contraditório, a meu ver, até mesmo Mellender e Caponi admitiram prontamente o fato, insistindo no entanto na prioridade da seleção natural como fonte de complexidade biológica e direcionadora do processo evolucionário.
Maurício Tuffani
Excepcional, e digna de nota aqui, foi a admissão do jornalista Maurício Tuffani (ex-editor-chefe e ex-redator-chefe da revista Galileu, ex-editor de ciência da Folha de São Paulo, entre outros méritos), de que o tratamento dado ao debate entre DI e Evolucionismo não foi equilibrado (ou justo), e que o fato reflete na verdade uma crise no jornalismo internacional. Entre outros problemas que se tornaram crônicos no Brazil estaria substituição da pesquisa e descoberta de informações pela mera divulgação de informações, o domínio do jornalismo por corporações, e a tendência do jornalismo opinativo de se tornar um mero espelho de certo público cativo.
Para quem acompanha o jornalismo científico, é um alívio perceber manifestações de sanidade em um ambiente tão polarizado pela desinformação sobre religião e ciência.
Um Balanço
O que poderíamos dizer, de um modo geral? A despeito do silêncio dominante, excetuado por uns poucos anátemas blogosféricos de ateístas militantes, é certo que o evento foi um sucesso se considerado do ponto de vista da urgente apresentação do debate sobre o Darwinismo e a Religião em termos maduros e genuinamente acadêmicos. Quem tinha preconceitos contra o evolucionismo ou contra o DI teve oportunidades reais de se atualizar.
Foi impossível não observar, no entanto, a total ausência de representação dos evolucionistas teístas ou dos criacionistas evolucionários. Na visão de alguns, isso obliteraria o conflito polar entre o DI e o naturalismo filosófico dos Evolucionistas ateus, e isso talvez não fosse interessante para a Mackenzie neste momento; talvez porque a introdução do DI na instituição já seja um dos objetivos principais do Simpósio.
Eu cheguei a perguntar ao Dr. Mellender sobre a obra de dos mais importantes paleobiólogos da atualidade - o Dr. Simon Conway Morris, da Universidade de Cambridge - que defende evidências de teleologia (e, assim, de uma providência divina) não nas "lacunas" do processo evolucionário, mas em seu próprio cerne, no fenômeno da convergência evolucionária. O Dr. Mellender expressou conhecimento da obra, e embora discorde de Morris, admitiu com um sorriso que o seu trabalho "é de meter medo" - para ateístas, é claro. Há também outros cientistas e/ou filósofos da ciência que tem visões mais nuançadas sobre a distância entre o DI e Darwin.
No futuro, quando a proposta do DI tiver lançado raízes mais fortes na instituição, seria de grande valor para o diálogo entre religião e ciência no Brasil a inclusão de nomes como Alister McGrath, Jacob Klapwijk, ou Del Ratzsch, cuja reflexão sobre DI e Evolução já mais alguns passos adiante.
Não poderíamos encerrar essa reflexão sem manifestar o nosso apoio à Universidade Mackenzie e à sua Chancelaria. A direção dessa universidade está envolvida em um importantíssimo projeto de promover a educação e a erudição acadêmica com raízes e traços claramente cristãos e reformados. Tenho ciência de que muita gente - inclusive muitos cristãos evangélicos - não vêem tal empreendimento com bons olhos, unindo-se na desconfiança à sociedade secular. Mas a estes eu só poderia sugerir que se informem melhor a respeito. Se há alguma falha, que se reconheça a coragem de confessar a Cristo no mundo acadêmico, e que se devolva o justo cumprimento da genuína cooperação.
O fim da modernidade e a aproximação do mundo pós-secular são um fato, e os cristãos conscientes deveriam ser os últimos no mundo a sentir saudades da universidade "laica". Que de "laica", é certo, nunca teve nada; mas isso seria assunto para outro artigo!